CONJUNTIVTE – PANORAMA GERAL
O termo “olho vermelho” é amplamente usado por pacientes que procuram atendimento oftalmológico, e é tão inespecífico, que pode estar relacionado a doenças de origem variada, como por exemplo na conjuntiva (mais comum) ou até mesmo nas órbitas. A conjuntivite é de longe a causa mais comum de olho vermelho na atenção primária, mas ainda assim, é um diagnóstico pouco específico. Existem várias causas para a inflamação da conjuntiva, podendo ser, de maneira mais ampla, assim divididas:
Infecciosas: mais comumente causadas por vírus (ex. adenovírus) ou bactérias (ex. Haemophilus ), mas podemos ter causa parasitária como a leishmaniose, ou fúngica (esporotricose).
Inflamatórias: neste grupo as reações alérgicas são as mais frequentes no dia a dia do consultório, mas reações de hipersensibilidade não alérgicas, como as doenças autoimunes (Síndrome de Sjogren, Penfigóide Ocular Cicatricial) são causas notáveis de inflamação da conjuntiva. Ainda neste grupo, não esqueçamos da toxidade causada por agentes externos, como poluentes, vento, produtos químicos mais diversos, variando desde cosméticos, até tratamentos oftalmológicos tópicos de uso crônico, como os anti-hipertensivos oculares usados no tratamento do glaucoma.
Diante da amplitude de possibilidades etiológicas, uma das principais ferramentas que o oftalmologista dispõe para estreitar o leque diagnóstico é uma boa anamnese. Reservar uma parte da consulta para caracterizar bem os sintomas em relação ao tempo de duração, características mais marcantes (prurido, ardor, dor), associação com algum hábito de vida, medicamentos em uso, recorrência ou não, bilateralidade, pode parecer redundante, mas poupa tempo e facilita o raciocínio clínico. Isso, associado a um exame biomicroscópico meticuloso podem contribuir para o diagnóstico correto, minimizando a necessidade de exames complementares, que ficam reservados para situações especiais e mais raras.
A cronicidade da conjuntivite é um dos critérios que mais auxiliam na busca pelo diagnóstico etiológico. É considerada conjuntivite aguda aquela com até três semanas de duração (alguns autores consideram quatro). Suas causas mais comuns são as virais, as causadas por bactérias pirogênicas e algumas formas de alergia ocular. Inflamações que persistem por mais de 3 a 4 semanas direcionam para diagnósticos menos frequentes no dia a dia e podem requerer investigação complementar.
Os sinais mais frequentes de inflamação conjuntival aguda são a congestão vascular e a quemose, esta, resultante da transudação de líquido do espaço intravascular para o extravascular. No entanto, a conjuntiva pode responder ao processo inflamatório com alterações morfológicas que ajudam o especialista no diagnóstico clínico. São cinco respostas descritas:
Papilas: são encontradas na conjuntiva, na região onde ela é firmemente aderida ao estroma por septos fibrosos, ou seja, no tarso. A formação de papilas decorre da exsudação e infiltração celular em torno deste septo, à partir de um core fibrovascular. A quebra de alguns septos resulta na junção de uma ou mais papilas, podendo formar as chamadas papilas gigantes. Embora seja um sinal considerado inespecífico, quando relacionado à anamnese e aos sintomas, pode sugerir diagnóstico de conjuntivite alérgica, reação a corpo estranho ou conjuntivite bacteriana crônica, como a encontrada em pacientes com obstrução de vias lacrimais.
Folículos: são elevações arredondadas, medindo 0,5 a 2,0 mm de diâmetro, encontradas também na conjuntiva tarsal. Corresponde ao tecido linfoide presente no estroma da conjuntiva, que pode ser estimulado em infecções virais (agudas) ou causadas por clamídia (crônicas), ou ainda nas toxicidades medicamentosas. Pode também ser um achado de exame, sem correspondência patológica, em crianças e adolescentes.
Membranas: o depósito de fibrina na superfície conjuntival resulta de um processo inflamatório intenso, e pode ocorrer tanto nas conjuntivites infecciosas (adenovírus, estreptococos beta-hemolítico) quanto nas doenças inflamatórias (fase aguda da Síndrome de Stevens-Johnson). A diferença entre membrana verdadeira e pseudomembrana vai depender da presença de sangramento no ato da remoção mecânica, presente na primeira e ausente na segunda, e se relaciona à intensidade da inflamação.
Fibrose: a cicatrização da conjuntiva com subsequente substituição de suas estruturas por tecido fibroso ocorre em algumas doenças que causam lesão no estroma conjuntival. Esse processo pode comprometer seriamente a homeostase da superfície ocular, visto que os ductos excretores das glândulas lacrimais e as células caliciformes, ambos importantes na produção do filme lacrimal, podem ser atingidos. Além disso, a retração do tecido fibroso pode levar a modificações anatômicas palpebrais que contribuem para a piora da superfície ocular, como simbléfaro e entrópio. São exemplos de conjuntivites cicatriciais: ceratoconjuntivite atópica, Penfigoide Ocular Cicatricial, tracoma.
Granuloma: a reação granulomatosa consiste em um infiltrado de células inflamatórias crônicas (linfócitos) e células epitelioides que podem formar células gigantes multinucleadas. Em algumas situações há presença de necrose no centro da inflamação, como na tuberculose. Em associação com linfadenopatia regional, temos a Síndrome Oculo-glandular de Parinaud, que tem como causa mais frequente a doença da arranhadura do gato, causada pela Bartonella henselae. Outras causas menos frequentes, infecciosas ou não, incluem tuberculose, sarcoidose, sífilis, hanseníase, herpes.
A combinação história clínica com exame oftalmológico, identificando a alterações morfológicas induzidas na conjuntiva pelo processo inflamatório são cruciais no raciocínio diagnóstico. Podemos ter uma conjuntivite folicular aguda, que tem a infecção viral como causa mais frequente, por exemplo. Por outro lado, diante de uma conjuntivite folicular crônica, além da possibilidade viral, como o molusco contagioso, devemos abrir as possibilidades diagnósticas para uma infecção por clamídia, ou ainda para toxicidade medicamentosa.
No contexto das conjuntivites virais, não podemos deixar de mencionar a COVID-19 e o envolvimento da superfície ocular. A sua proximidade com as vias aéreas e a sua localização exposta à aerossóis, fazem com seja fonte de interesse de pesquisas que buscam elucidar seu papel como fonte de contágio da doença. Embora existam receptores na conjuntiva capazes de se ligar ao vírus e proteases transmembranas que facilitam a entrada na célula epitelial, fazendo com que, em tese, seja possível que os olhos sejam uma porta de inoculação, essa possibilidade ainda não está bem esclarecida. Estudos em animais mostram que há infecção de vias aéreas após inoculação conjuntival, mas a prevalência de conjuntivite como parte do quadro clínico da COVID-19 é extremamente variável (de 0,9 a 35% em consulta feita nesta data) e a positividade do RT-PCR em esfregaços de conjuntiva de pacientes com diagnóstico confirmado por RT-PCR nasal é muito baixa. Naqueles que apresentam conjuntivite, esta costuma ser um quadro agudo leve, com hiperemia conjuntival, reação folicular e lacrimejamento.
Durante os meses de isolamento social da pandemia muitos pacientes deixaram de buscar assistência médica, por medo ou por impossibilidade, o que resultou em impacto na qualidade de saúde em todas as áreas, incluindo a oftalmologia. Por outro lado, foi um período que proporcionou uma oportunidade de aprendizado da população em relação aos cuidados individuais com a higiene, principalmente das mãos, o que pode resultar em um impacto positivo no controle da disseminação das formas mais comuns de conjuntivite infecciosa aguda.